Na tentativa de resolver impasse com a base aliada na Câmara e conseguir votar o Marco Civil da Internet, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta terça-feira (12) que o governo aceitará fazer modificações na redação do projeto de lei, sem que isso prejudique questões caras ao Planalto, como a neutralidade.
A declaração foi dada após reunião na Câmara dos Deputados com líderes da base aliada e a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais).
Segundo Cardozo, as mudanças envolvem apenas \"questões técnicas\". \"A questão da neutralidade tem tido uma grande discussão com alguns segmentos da base. O governo defende a neutralidade, mantém a sua posição, mas acredito que é possível superar alguns entraves com alguma questão redacional, sem que abramos mão de alguns princípios que são próprios para garantia da isonomia.\"
Após a reunião, o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), disse que discute apenas \"fatos\" e não \"tese\", referindo-se à promessa de o governo ajustar o texto. \"Eu discuto fato. Fato é o que vier me propor por escrito. Se o que estiver escrito refletir aquilo que a minha bancada se posicionou, terá o nosso apoio. Senão, não.\"
Ele voltou a bater na tecla que o texto atual do Marco Civil encarecerá o serviço para o usuário. \"Com relação ao que o relator [deputado Alessandro Molon (PT-RJ)] propôs, ele está interferindo na atividade econômica, está interferindo com os usuários, fazendo com que os usuários, ao fim, paguem mais caro na utilização da internet. O PMDB é contrário a isso.\"
Cardozo afirmou estar \"animado\" com a perspectiva de acordo. \"Eu saio animado com a possibilidade de chegarmos a um bom resultado em que a neutralidade, evidentemente, ficará assegurada, mas atendendo a situações estritamente técnicas que possam dar maior clareza ao texto.\"
Considerado uma espécie de \"Constituição\" da internet, o projeto de lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no Brasil. Já a neutralidade defende tratamento igualitário de todo o tráfego de internet por parte das operadoras de internet fixa e móvel. Na prática, ela impediria que essas empresas vendessem pacotes limitados (como acesso restrito a redes sociais).
Votação
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que levará à reunião de líderes, nesta terça-feira, o pedido para o governo não votar o Marco Civil nesta semana e, assim, conseguir mais prazo para fechar um acordo com a base aliada.
\"Vamos ver se os líderes compreenderão esse tempo a mais, porque é muito desconfortável. A pauta da Câmara está trancada há semanas\", afirmou.
O líder do PT na Câmara, deputado José Guimarães (CE), afirmou que a base aliada também defende a votação somente na próxima semana, para dar tempo de se chegar a um consenso sobre matérias polêmicas, como o Marco Civil.
Guimarães disse que as divergências com a bancada do PMDB são principalmente políticas, mas que acredita ser possível chegar a um entendimento até terça-feira (19). Para a semana que vem também ficariam a votação do piso para os agentes comunitários de saúde e a continuação da discussão sobre o Código de Processo Civil.
Já Cardozo disse que ainda serão realizadas novas reuniões entre as bancadas para tentar chegar a um acordo. \"É ainda um processo em construção.\" Por conta disso, o ministro considera mais provável que o Marco Civil seja votado só na semana que vem.
\"Estamos discutindo alguns aspectos em que pode haver acordo. Por isso, o encaminhamento é propor ao presidente da Casa que nos dê ainda alguns dias para que possamos ter um fechamento desse texto.\"
Regime de urgência
O Marco Civil tramita em regime de urgência após pedido da presidente Dilma Rousseff em resposta às denúncias de espionagem por parte dos Estados Unidos. Por conta disso, o projeto tranca desde 28 de outubro a pauta das sessões ordinárias e nada poderá ser votado antes dele.
No entanto, ao mesmo tempo em que o governo se articula para conseguir aprová-lo, há outro ponto preocupando o Executivo: a aprovação do piso nacional para agentes comunitários de saúde. Por conta do impacto que o piso teria no Orçamento da União, o governo quer antes conseguir um consenso sobre essa questão para só, então, votar o Marco Civil e, assim, liberar a pauta.
Neutralidade
As empresas de telecomunicações (como Vivo, Claro, TIM, NET, GVT) não são a favor da neutralidade e reivindicam o direito de vender pacotes fechados. Já os provedores acreditam que a internet deve ser neutra e que planos fechados limitam a liberdade de o usuário conhecer novos sites, além de impedir que outras empresas de conteúdo digital ganhem espaço no mercado.
Na discussão sobre o Marco Civil, o governo defende a neutralidade. \"Não cogito abrir qualquer brecha na garantia da neutralidade da rede. Esse, que é o coração do projeto, não pode ser violado e nós vamos lutar por ele até o fim\", afirmou o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto.
Segundo ele, aprovar o Marco Civil sem a neutralidade seria \"preconceito contra pobre\". Isso porque, explicou, ao oferecer planos limitados (apenas para enviar e receber e-mails, por exemplo), as empresas não forneceriam uma experiência completa aos usuários.
Do outro lado está o PMDB, que prevê o encarecimento do acesso à internet no Brasil. \"Se for necessário oferecer uma infraestrutura igual para todo mundo, de forma ilimitada, tenho de oferecer a maior. Não tem almoço de graça [...]. Alguém vai pagar a conta e óbvio que isso aumenta o custo para o usuário\", disse o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB na Câmara. Molon negou que a aprovação da neutralidade encareceria o acesso.
Fonte: Uol – 12/11/2013